quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Pode Eurídice tornar-se Diana?


Para meu amigo Tone... Tune... Who pays the piper...
Sírius, fiel servidor do amor e da morte: gentil testemunha da vaidade sem sorte. Do punhal cortante, da flecha errante, da dor sem medida. Constelação de Órion, gigante com cinto e espada, cercado de servos, condenado à solidão. Cenário triste, mitologia lúgubre, conto macabro de amor, de ciúme e de poder. Seria fácil acreditar que somos fracos perante a nuvem de fugacidade que insiste em banhar nossas cabeças de uma chuva constante e sem tréguas. Seria fácil associar a diáfana utilidade dos relacionamentos ao consumo, à sociedade de classes, ao desespero, à mercadoria. Seria muito fácil seguir a maré, atirar na mancha que não se vê e assassinar o que mais amamos. Entretanto, nos privar das brumas e da impotência dos afetos é desumano, os seres, ao se olharem, se destróem continuamente, vêm-se refletidos uns nos outros, amam narcisticamente uns aos outros, odeiam-se e culpam uns aos outros pelos fracassos. Como dois gêmeos que lutam pelo poder do amor da mãe, como dois cavaleiros que disputam o mesmo Graal. O eclipse da lua cega os olhos do amante, sem vê-lo a assassina dança para a lua, inebria-se com a falta de seu amor, ensurdece seus ouvidos para o canto de Apolo: seu Neoptolemus? Seu Creonte? Seu Édipo? Tudo que é de vil e torpe penetra em sua constituição: a covardia, o orgulho, a cobiça e o desafio. Não existe misericórdia, muito menos concórdia, existe uma fonte barrenta de barulhos, ruídos e dentes cariados. Larvas apodrecidas, mel silvestre, gengibre desfolhado, sal desidratado giram ao seu redor formando uma nuvem de beleza, tudo é tão tântrico, tateado, testado e tratado... como um nada que se corrói e renasce. Nessa fonte eu brinco ao seu lado quando mata Actaeon, apavoro-me, de fato, mas sinto prazer em ver sua masculinidade, deveramente frágil, mutilada por caçadores. Caça, presa, Agamemnon e Ifigênia: linda, mas tola, serva de homens crués. Presa fácil daqueles sem amor, carne crua sem crer que será cindida pela reação neurótica da paranóia utilitária? Recorda-se do utilitarismo? Pois bem, sabes que és carne e da carne voltarás.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, que lindo! Você transformou o pessoal em mitológico e vice-versa. Brilhante!

The tone disse...

Vivs!
Primeiro ostaria de agradecer esta obra-prima ter sido dedicada a mim! É deveras muito bem construído, sinto ecos do Adorno, e do mito. Vou ser sincero, e admitir que em algumas partes eu boiei. Alguns elementos ficaram extremamente obscuros pra mim, mas isso vai me fazer voltar sempre nele, e tentar desvendá-los. Li e reli antes de conseguir comentar. Fui procurar alguns nomes na wikipedia =P
Mas acho que minha pergunta foi respondida, mas não sei se era a resposta que eu esperava.. estou confuso!! rs
Mas de qualquer forma, ressoando com a diva, brilhante!