sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Maria José de Jesus Aparecida

A mulher de meia idade cantava alegremente para uma pomba que havia parado na sua frente na tarde de sábado. Estava em frente a catedral da Sé, xiwiiiiiiiiiiiii, com vários outros seres humanos ao seu redor. Uns pregavam: hnã, cátálalarala, sim, sim? Hnã, hnã. Outros dormiam: zzzzizizizizizizizi. E havia ainda outros que não queriam saber de nada e somente namoravam, xsmajks, xsmajks, xsmajks, xsmajks, xsmajks. Mas ela, ela estava tão feliz por cantar para aquela pomba preta, sem vida, sem natureza. Por um segundo, ela conseguiu parar de cantar, e nesse momento, foi como se houvesse um realinhamento de possibilidades, o céu ficou mais iluminado, os seus ouvidos mais atentos, e o caleidoscópio de aromas que chegavam das barracas penetraram em sua corrente sangüínea. Sangue contaminado. De que? De amor. Para quem? Para a humanidade. Os seres que vivem nesse pequeno inferno são tão belos, que apenas o fato de amá-los já se torna uma contaminação para a boa moral da sociedade. Mas, enquanto ela acreditava que a revolução já acontecia dentro da sua cabeça, havia um outro menino brincando na nova praça re inaugurada. Ela o observa e o ama mais do que qualquer um, ela perdoa todos os seus pecados e vê que ele é a essência de tudo que ela imaginou algum dia. O céu continua a brilhar, e ela a cantar, a epifania cessou, não sua voz. Mas, por que o canto era subversivo? Ela ainda não entendia, só sabia que deveria continuar. Quem sabe a sua voz poderia penetrar em todos os cantos fétidos daquela praça adornada por árvores sem vida e por insetos vigorosos que vagueavam entre as calçadas emitindo sons como captuft u zinuoinhing. A música é um bem precioso que todos deveriam possuir, e eu sou aquela que posso doá-la para a humanidade, esse imenso mundo de cores e aromas necessita das minhas notas provenientes de meu amor, ela falava tudo isso para a pomba, enquanto todos que passavam riam da sua cara, e zombavam de sua roupa rasgada, do casaco roxo com algumas traças comendo o resto de fibras ainda vivas, de seu cabelo branco e preto preso com uma fivela azul em forma de flor, de seu broche marrom em forma de azaléia. Tudo era motivo de riso para as pessoas que vendiam, passava, corriam e viviam ao seu redor. Para ela, a única verdade era o cantar para aquele pombo e observar, de piscadela, aquele menino correndo na praça nova. Foi quando ela fechou os olhos e começou a caprichar nas notas mais agudas, que o menino chegou perto, espantou a pomba e arrancou a sua bolsa. Ela começou a gritar tão forte, haaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, que todos riram mais ainda, tava cantano dizafinhada e agura besrrava, ela gritava e gritava e gritava enquanto o garoto fugia com a sua bolsa. Ele parou em baixo de uma das escadarias da faculdade de direito, e ao abrir a bolsa, chorou muito, chorou mais que tudo e largou a bolsa preta com florzinhas brancas lá mesmo. Quando voltou para praça, a mulher já não estava mais lá, só o aroma forte de naftalina contaminava o meio ambiente. Tudo isso numa tarde de sábado.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

José de Arimatéia

O menino de pouca idade contava o dinheiro que havia recebido dos gambé lá da praça. Ele fazia uns serviçinhos para eles de vez em quando, engraxava umas botas aqui, comprava umas coxinhas ali, e os cara era legal, de vez em quando até sobrava uns salgado pra mim, gostoso, melhor do que a farinha que a mãe fazia com feijão cheio de bicho. O dinheiro já não tava dando para nem compra comida, e faze esses serviço pros gambés é tudo que eu tenho. Sabe? A praça tá bonita... Tem uns pessoal morando aqui, mas minha mãe não quer deixar o barraquinho lá na zona leste, e eu, tenho que vim todo dia pra esses canto aqui faze esses serviçinho, por que eu não podia se transformar-se num douto como aqueles que eu vejo passarem da aqui, com uma roupa limpa e óculos escuros? Nossa, era tão chique! Uma vez ele pediu par o moço comprá um pra ele, mas o moço comprou um milho e um pedaço de abacaxi. Tava bem gostoso, e eu tava com fome, mas eu queria mesmo o óculos, sabe? Prá ver se ficava inteligente, se aprendia fala, se aprendia a sê mais importante, se aprendia a ser gente, se ficava mais humano. Que é isso tudio que eu tou falando? Tem uma dona ali olhando para uma pomba e para mim. Que que ela quer cantando para a pomba. Só pode ser louca. As roupas roxas brilhavam ao som da sua voz. O menino, andava para lá e para cá a procura do que fazer quando surgiu na sua mente a idéia de que ele poderia pegar alguma coisa daquela mulher para comprar os óculos escuros. Ele nunca pensou que poderia roubar alguém, mas aquela mulher não era nem ser humano, aquele cabelo sem cor, a pele sem vida,. Ela era mais parecida com as barata que rodeava o barraco de vez em quando. É isso, se eu roubá uma barata, eu não tava robando, eu só tava fazendo um gosto meu. Mas como eu posso fazê isso se ela não para de fica com aquela música idiota para a pomba. Ela fica dizendo umas coisa sem sentido, e volta a canta um tal de cálice, de vinho tinto de sangue. Que que é tinto? Não importa, eu vou ficá olhando essa velha até que ela para de canta. Ela tá me olhando. Será que reparou que eu notei que ela é uma fumaça que deixa a praça mais feia, agora que arrumaru a praça? Ela fechou o olho, e ele correu. Correu mais do que uma bala a procura do peito de um bandido sujo, ou da cabeça de um menino inocente. Ele pegou a bolsa e correu, por toda Benjamin Constant em direção a faculdade de direito. Ahe, agora vou comprá. Quando ele abriu a bolsa, não tinha nada, só um bilhetinho, que ele não conseguiu ler porque não sabia ler. Ele chorou, chorou chorou muito, chorou mais que tudo e largou a bolsa preta com florzinhas brancas lá mesmo. Quando voltou para praça, a mulher já não estava mais lá, só o aroma forte de naftalina. A mulher, andou até o ponto de ônibus e tomou o Praça Silvio Romero em direção a sua casa no Tatuapé. No ônibus ela se lembrava que a única coisa que a deixava desumana era aquele bilhete roubado, e escrito em 1972 por seu primeiro e único namorado, José: “‘Tu és divina e graciosa, estátua majestosa, do amor, por Deus esculturada’, mas eu não posso casar-me contigo, pois Maria, minha vizinha, está esperando meu filho e preciso cumprir com o meu dever. Seu, José”. Ela ainda amava o menino, e a pomba, e a humanidade dos desumanos.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Azul

... Ave maria cheia de graça, o Senhor é convosco... espadas ao fundo oferecem à cena o azul do universo... Bendita sois vós entre as mulheres... os raios solares brilham através dos ramos de oliveira ao fundo... Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus... pode-se ver uma piscina atrás dela, essa imagem pertence aos jardins gregos... Santa Maria, mãe de Deus... O dia irradia como olhares de amantes cálidos, inebriados pelo prazer da primeira paixão... Rogai por nós pecadores... Angústia, dor, está doendo, pára, por favor. Não consigo mais... Agora e na hora de nossa morte... Não, não deve ser isso... Amém... A moça tem cabelos loiros bem compridos. Estão presos em uma trança, de lado... Ave maria cheia de graça, o Senhor é convosco... seus olhos, de um azul turquesa intenso... Bendita sois vós entre as mulheres... Seu vestido tem pregas e é, igualmente, azul. O decote, um babado branco, de renda. Será mesmo a Grécia?... Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus... Ela sorri, seus dentes são limpos e brancos, sua áura, feliz. Nunca vi tanto prazer reunido em uma só pessoa... Santa Maria, mãe de Deus... Movendo suas mãos para cima, ela coloca as mãos em seu rosto, e ele, sorri de volta... Rogai por nós pecadores... As pequenas mãos contrastam com o rosto forte e másculo do homem... Agora e na hora de nossa morte... Seus lábios se selam como em um beijo, mas ele envolve suas mãos com as suas. Parece tão irradiante. Não é possível não amá-lo... Amém... Parecem que estão em um momento de cumplicidade... Ave maria cheia de graça, o Senhor é convosco... Compreendo. Ela e ele, um filho, um futuro, uma casa cheia de cores do arco-íris... Bendita sois vós entre as mulheres... Ele mira seus olhos azuis, os seus, tão castanhos, conotam um futuro verde, um filho homem, loiro, de olhos castanhos... Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus... Ele iria ensiná-lo a lutar, a ser um guerriero, como ele... Santa Maria, mãe de Deus... Ele iria tomar conta dela, cuidar para que nada acontecesse no parto, para que ela não sofresse... Rogai por nós pecadores... Tomar cuidado para que ela não desse a luz a um filho enforcado pelo próprio cordão umbilical... Agora e na hora de nossa morte... Precisava cuidar de sua dama, mais do que a si mesmo. Ela e seu filho, o futuro, a paz. Amém. Faça parar! Lágrimas, angústia. Está doendo. Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres. Bentito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Choro, está doendo. Para. Ela está feliz. Não há como não amá-la. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém. Agora ele está morto, enquanto eu sinto toda a dor. Toda a angústia. Toda a vontade de se assassinar. Tudo. Morto. Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres. Bentito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém. Como se fosse um flash envolvendo meus olhos, sei que sou eu mesma. Sei de que lugar o conheço. Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres. Bentito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém. Sei tudo. Senti tudo. O que isso significa?

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Vermelho

Vermelho, talvez seja a luz amarela incidindo contra o já velho carinho de pipocas que fez daquele dia particular um momento memorável.
Talvez seja o brilho nos olhos da luz de uma criança que tenha tingido de alegre o cinza da tarde derradeira.
Na verdade, acredito que o Universo tenha algumas razões recônditas para revolucionalizar a reacionária razão humana.
Durante alguns dias, de vermelho, algumas horas foram tingidas. Parece-me que um pouco daquele aroma melado, misturado com os abafados gritos e as longas gargalhadas envolveram minutos diminutos de duradoura dor.
Curas, prodígios e milagres foram presenciados por uma penitente que ousou tocar no manto purificado por sangue.
Ou foram ovidos os sons das lágrimas de uma mulher que esperou por mais de vinte anos a volta daqueles que denominavam o astucioso?
Um dia, ouvi dizer essas foram levadas para o mais distante relicário da terra dos vivos. Não conseguem ser encontrados pelo Coração de Leão, nem pelo Fogo do Dragão.
A verdade é que estariam pendurados na teia de era plantada acima da cama daqueles que pretendem afastar o pesadelo trazendo para seu leito seus medos, suas dores, seus pavores, seus amores. Dançaria enquanto o mundo gira ao som da roca de fiar, da mancha que não para de nos engolir.

Dói assim? Sim. Infelizmente. Dor? Melhorou, não sinto mais nada.

Vermlho, talvez seja a luz branca incidindo sobre a blusa cravejada de rubis que fez daquele minuto uma pequena eternidade.
Talvez seja o brilho nos olhos da luz de uma mulher que tenha tingido de triste a dor daquela manhã primeira.

Ainda dói. Bendita és tu cheia de graça. Sim, sim, conheço essa parte. Agora podes curar a metáfora? Não: vermelho.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Experimento

Para a amiga Divanize que anda inspirada por temas clássicos.

a primeira coisa que surgir em minha mente irei escrever sem me preocupar se serei ouvida ou lida ou percebida ou amada enquanto olho a pequenina aranhinha que tece uma teia bem fininha no teto de minha sala lembro-me das moiras que tecem nosso destino sem dizer onde vai dar com quem vai dar e por que vai dar mas tudo é tão bonito quando se pensa na hisória de psique e de eros o quanto um lutou pelo outro a força dessa menina em desafiar a grande deusa do amor amando odiando salvando morrendo e deixando tudo morrer como aquela vez em que antígone acreditando que poderia ser mais que o grande governante enterrou seu irmão e pagou o preço daqueles que vão contra a maré do confomismo ou daqueles que falam falam falam e não fazem nada isso mesmo adoro a antígone bom você trazer ela para sua discussão quem tá ai sou eu que quer quero participar desse experimento muito bem você pode estou olhando aquela aranha não vejo aranha nenhuma vejo uma barata cavando sem alarde quer se encontrar com seu mentor hermes entendi vai com os ventos embora ah não estava gostando da baratinha nada pensa agora na medéia essa é boa né quando ela matou os seus dois filhos para provar para jasão que seu reino estava apenas começando e ifigênia então uma maravilha quase foi morta mas acabou transformada em ninfa de diana será que esses mitos são de verdade eles foram escritos há tanto tempo atrás e mesmo assim adoramos saber mais sobre eles fazer paralelos com sua vida do que vocês tão falando quem é você sou vocês e tem mais algumas pessoas que estão comigo posso deixar entrar sim pode tudo bem olá sou eu nossa quanto tempo estou encantada com essa fada tecendo encanto no seu teto é uma formiga é uma joaninha ruínas gregas colinas de apolo baco de terra vinho tem vinho dá sono isso é com morfeu mas e o orfeu que é o grande poeta pode entrar catulo não paga nanananananananananananananananada!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Pode Eurídice tornar-se Diana?


Para meu amigo Tone... Tune... Who pays the piper...
Sírius, fiel servidor do amor e da morte: gentil testemunha da vaidade sem sorte. Do punhal cortante, da flecha errante, da dor sem medida. Constelação de Órion, gigante com cinto e espada, cercado de servos, condenado à solidão. Cenário triste, mitologia lúgubre, conto macabro de amor, de ciúme e de poder. Seria fácil acreditar que somos fracos perante a nuvem de fugacidade que insiste em banhar nossas cabeças de uma chuva constante e sem tréguas. Seria fácil associar a diáfana utilidade dos relacionamentos ao consumo, à sociedade de classes, ao desespero, à mercadoria. Seria muito fácil seguir a maré, atirar na mancha que não se vê e assassinar o que mais amamos. Entretanto, nos privar das brumas e da impotência dos afetos é desumano, os seres, ao se olharem, se destróem continuamente, vêm-se refletidos uns nos outros, amam narcisticamente uns aos outros, odeiam-se e culpam uns aos outros pelos fracassos. Como dois gêmeos que lutam pelo poder do amor da mãe, como dois cavaleiros que disputam o mesmo Graal. O eclipse da lua cega os olhos do amante, sem vê-lo a assassina dança para a lua, inebria-se com a falta de seu amor, ensurdece seus ouvidos para o canto de Apolo: seu Neoptolemus? Seu Creonte? Seu Édipo? Tudo que é de vil e torpe penetra em sua constituição: a covardia, o orgulho, a cobiça e o desafio. Não existe misericórdia, muito menos concórdia, existe uma fonte barrenta de barulhos, ruídos e dentes cariados. Larvas apodrecidas, mel silvestre, gengibre desfolhado, sal desidratado giram ao seu redor formando uma nuvem de beleza, tudo é tão tântrico, tateado, testado e tratado... como um nada que se corrói e renasce. Nessa fonte eu brinco ao seu lado quando mata Actaeon, apavoro-me, de fato, mas sinto prazer em ver sua masculinidade, deveramente frágil, mutilada por caçadores. Caça, presa, Agamemnon e Ifigênia: linda, mas tola, serva de homens crués. Presa fácil daqueles sem amor, carne crua sem crer que será cindida pela reação neurótica da paranóia utilitária? Recorda-se do utilitarismo? Pois bem, sabes que és carne e da carne voltarás.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Vale de Lágrimas


Angústia, raiva, dor e desespero: estrofes de uma contínua balada rumo ao caos. Desespero, dor, raiva e angústia: motes de uma vida solitária cujas aspirações chegam ao infinito. Dor, dor, dor é o que sinto nesse momento. Sinto ao lembrar-me dos momentos tão plenos, tão vazios que passamos juntos. O amor é assim mesmo, não se mate. Já matei um pouco de mim mesma ao tentar esquecer-te, colocar de lado os sonhos e as ilusões que pensei serem possíveis ao seu lado. Mas, dói, dói, dói a memória de nós dois: cabeças enconstadas, lábios entrelaçados e êstase feliz. Por que acabou? Sinto sua falta enquanto os sons dos tique tique devagar nas teclas de meu teclado teimam em tentar traduzir o que é estar sem ti. Lágrimas banham minhas mãos melancólicas de melodias magistrais para um maestro magrinho, franzinho. Ratos saem de minhas entranhas, gordura de meus orifícios, paixão de meus ouvidos. Nessa balada estranha de tons atonais, de frases desfraseadas, de fatos factuais e fantasiosos, o mundo torna-se a minha própria Rapsódia de desespero, raiva, dor e angústia. Quem sabe se houver uma mudança de eixos, talvez a lua a se aproximar de Vênus, Marte, desviar a rota de minha tragédia... quem sabe eu possa ser tão bela e tão atraente que as flores do campo invejarão minha beleza num dia de verão... Por enquanto espero, "bradando, gemendo e chorando nesse vale de lágrimas".

domingo, 3 de fevereiro de 2008

O Passado

Dói muito quando o futuro carrega o mar.
não sei se o mar ou o continente, mas a vida
interia passa pelo verbo sem cachaça.
Eu não consigo mais dormir,
nem mais cantar, só sei de nada.

Quando o passado olha para mim, vejo nada.
Benjamin estava errado, tragédia nada.
O vazio tomou conta de tudo sem vida.
Mas a vida não está contida no nada?
Então, eu preciso daquele Ângelus Novus.

Onde está Paul Klee, onde está meu Debussy?
Foi tudo em vão? Valeu a pena, sei lá Deus.
Eu quero a insalubre água para me lavar,
quem sabe vão poder me chamar de boazinha,
Ou vão me condenar... eu já me acostumei.

Eu quero ter tempo para inventar um poema
daqueles que fiquem bem bonitos, com rima.
Mas o anjo não deixa. Vai embora, sai!
É difícil quando ele gruda na sua mente.
Ele não te deixa em paz. Eu quero chorar.

Eu respiro fundo e deixo a casa de vidro.
Com panelas de fumo eu quero comida.
Eu quero minha vida, amor, piano.
Quero voltar a rimar, ser a mais bonita,
mas o continuum quer que eu cruze o continente.