domingo, 20 de janeiro de 2008

Pianista do mar

O mudo pianista surgiu na praia da Inglaterra.
Pudera! Aqui no Brasil não tem suficiente terra.
Ele estava só na praia, com um terno velho,
Pediu para tocar por meio do desenho.
Tocou, bebeu, viveu!

Agora ele está no sanatório.
Tadinho do pianista sem voz,
porque ele fala pelas mãos.
E nós, falamos em bestial vão,
o que merece não ser ouvido.

Eu quero o pianista mudo, para alegrar meu dia,
quem sabe se nós tivéssemos suas mãos,
poderíamos entender as ondas do mar.
Mas, ele apareceu lá na Inglaterra, e com a Rainha está.
Eu não quero mais chorar, nem ver as ondas do Tietê.

Lá no Municipal, há vários pianistas nas escadarias,
eles deveriam ser artistas, mas são arteiros.
Não tocam com as mãos, mas com a solidão.
Eu quero o pianista do mar, para acabar com a morte.
Mas quem sabe, esse músico não veio do ar?

sábado, 19 de janeiro de 2008

Universo

A garota saiu mais cedo do serviço, precisava chegar cedo. Cedo aonde? Precisava descansar? Por quê? Precisava viver. Qual é o motivo? Precisava ser feliz. Mais essa agora! Quem inventou isso? Mitos são inventados para fazer o mundo cambalear no universo e, como um cão sem dono no asfalto, repousar à sombra da lua que cobre o sol. Milhões e milhões de universos, galáxias, planetas, e eu aqui nessa terra? Com subdesenvolvimento, com hipocrisia, com dor e doença. Com feto e fúria. Sem amor e carinho. A desunião faz parte. Parte do que mesmo? Corre para pegar o ônibus que vai para o Pq. Dom Pedro II. Já estou atrasada. Para que mesmo? Não lembrava, as sombras das pessoas que habitavam os assentos e a sombra dos indivíduos que estavam de pé fazia com que todos parecessem uma pintura impressionistas. Manchas, gotas, pingos, supérfluos, inquietos e infelizes. Por que eles tinham de estar aqui? Precisavam estar em um outro lugar, viver uma nova vida, saber o gosto bom de um livro. E livro lá se come? Come nada! Por que precisamos deles então? Ah, vagou um assento. Ufa, que bom sentar um pouco, mas eu não deveria ceder meu lugar para o senhor que está parado ai do lado. Quer sentar? Fica tranqüila. Tá bom. Então, está tudo acontecendo, a história do universo não é como conhecemos, deve haver outros planos, outras dimensões, outras camadas de energia que ultrapassam esses míseros átomos que nos ensinaram. Ah, tá bom. Ah, para de viajar. Putz, o trânsito tá paradaço. Queria um chocolate para sentir o gosto amargo da vida. Que vida é essa? Essa viagem, essa coisa absurda. Nossa, um leão marinho, ele está cruzando a Consolação. Que ele quer aqui? Ele é até que bonitinho. Como ele está em frente à igreja despedaçada pela reforma, vai ver que ele apareceu para nos lembrar da existência das coisas boas. Mas o que é bom mesmo? Como definir a essência de uma coisa tão vaga? O leão vai embora, vou chamá-lo de Shakespeare: um ser que é e não é ao mesmo tempo. Uma perfídia sem ser mulher. Logo mais apareceu um rinoceronte na frente do teatro municipal. Que coisa macabra. Esse nos lembra da cultura, e como é chato viver sem as notas repetitivas de Mozart, Chopin... Nossa, a esse darei o nome de Ludwig. Gostei! E por último, em frente à faculdade de direito, tem um minúsculo rato. Sujo, preto, desbotado. Repugnante, desprezível e mau cheiroso. Vai embora que você me enoja. Que bom! O terminal não está tão cheio. A moça desembarca no ônibus de trás. Nem vi o nome desse. Ela vai embora, sem notar que, nas costas, um começo de rabo estava nascendo. Um rabo fino e nojento.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Saudades da Poesia

Como um rio seco que se exauriu de tanta água, como uma bola de neve que morreu de tanto frio, como uma pipa que caiu por causa de seu medo de altura, estou aqui, sem falar, sem cantar, sem tocar, sem sorrir. Toda a vida se resume a uma imagem: o rato. Dizem, os chineses, que esse é o seu ano: não haverá guerras, será um período tranqüilo, de decisões pacíficas, de mundo pacífico, mas será que alguém é pacifico? Vejamos: Ronaldo é um moço belo, com todos os atribuitos de sua idade. Beleza, inteligência e astúcia são predicativos que o definem por dentro e por fora. Pois bem, outro dia quando estava em frente à Faculdade de Direito, bem no Largo São Francisco, lugar do qual se orgulha muito por sinal, é apaixonado pela carreira escolhida. Pois bem, onde estava? Já me esqueci? Perdoe-me! São os lapsos de uma Era em que a condição de tempo torna-se arquetípica. Estava lá ele em frente à estranha estátua do casal de beijando quando alguém chega para ele e pede:
Me dá um cigarro
Deixa disso camarada,
Dizem todos os dias,
Da nação brasileira.
Ronaldo desconfiou pakas porque conhecia o poema de Oswald. Mas por que esse camarada quer que eu lhe dê um cigarro citando poemas? O homem era uma mistura de tempos, mais baixo, mais gordo, mais bem arrumado, mais desleixado. Sem perfume, perfumado, enfim. Você já pode imaginar o que deu. Não? Nem eu, o aspirante a promotor não tem boa índole e começou:
Eu insulto o burguês!
O burguês-níquel, o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Não é de se espantar que nosso amigo tabagista ficou perplexo ao ouvir isso. E bem ali, ao meio dia da cidade grande, os dois começaram a perder suas tintas: enquanto Ronald via suas lindas madeixas se desfazerem, o nosso personagem ria feito um camaleão cansado de casar. Começou a desaparecer também. Agora estão ao meu lado, cantando Oswald, Mário... mas, engraçado.
Ninguém lembrou-se de Drummond. Então, vou recordar:
Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me'?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvoe dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor.
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Ronaldo não é pacífico, o chinfrim também não. O fato é que há um ódio em toda poesia, em toda a canção em toda a palavra. Os anos nunca serão tranqüilos, a humanidade é ainda torpe, todos se desfazem em busca de um nada para preencher suas vidas. Comida? Sim, se o alimento da vida é poesia, é rato e lama, dê-me o excesso de tudo, que o apetite adoeçe e morre.

domingo, 13 de janeiro de 2008

O Amor (homenagem a James Joyce)

Em um segundo, sim, como aqueles dos quais as, sim, fadas falam, sim, quando, sim, contam alguma história de amor que, sim, durou para toda eternidade,sim, sinto-me como uma árvore, sim, recém plantada, sim, recebendo a mais fresca chuva, sim, de um final de tarde, sim. Meu rosto, sim, se assemelha a uma pétala em brasa, sim, tocado por brando fogo de vulcões, sim. As mãos tão trêmulas, sim, como uma fração da estrela marinha, sim, cujo amor pelo mar a faz reconstituir-se, sim, a todo instante , sim, em que é despedaçada, sim. Tess tocada por Anjel, sim, Liz apaixonada por Darcy, sim, Aurélia perdoando Fernando, sim, Julieta entregue a Romeu, sim, Heloíse seduzida por Abelardo, sim, e, finalmente, sim, Isolda perdida por Tristão, sim. Retorno, sim, a outra época, sim, em que provavelemte fomos tão felizes, sim, como agora, sim. Eu sim, me entrego a ti , sim, e amo-te, sim.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Cabelo ao vento

Já faz tempo vi você na rua. Estava no ônibus: o dia estava ensolarado e a cabine abafada. Meditando em meus sonhos, mirando a mancha de gordura ao longe, admirando os ratos. Ouço conversarem, cê vai trabalha e'um luga muito bonitu! A Praça da Sé é bonita. Não olho para trás para não chamar atenção, mas continuo ouvindo. Por quê? Não sei! Ah, pai, aqui é tudu muito bonito, sabe? Não vou voltar para casa não, quero comprá u'a casinha, arranjar u'a mulher e ter um bando de fio Rararará... Isso qué vida... Piuiiiiiiiii... choc, choc, choc.... ihhhhhhhh. Sai da frente, rapá. Vai te catar, seu babaca! Filho, não é assim, também, sua mãe precisa da gente. Trago a mãe, os irmão e tuda curriola para Sum Paulo. Isso é o que me faltava, mais gente com resíduo de sonho. Olho para trás, o moço é loiro, com os cabelos cacheados como os de um anjo. Seus olhos são do mais puro azul. Seu pai, mais mal tratado pela vida, tem uma pele queimada de sol e seus olhos castanhos são emoldurados por uma série de rugas que lhe dão aspecto de mais velho. Estão perfeitamente arrumados: calças sociais, camisas brancas e azuis, honestidade, integridade e trabalho. Até quando permanecerão intactos? Até quando essa fonte de candura que os envolve permanecerá intacta. Choc, choc, choc... Ruuuuuuuuuuuuuuum... ihhhhhhhhh... Biiiiiii... Biiiiiiiii... Rrrrrrrrrrr. Pai, onde é qui o Sinhô vai trabalhá? Prá mi é difíci, tou velho e as empresa qué moço novu, c'idéa nova, c'expiriência, cê pode. Pode aprendê computadô e fazê facudade... mai, vô vê se arranjo um negócio prá despois voltá. Sintu falta da tua mãe. Crack... quem quer ovo, banana, limão?! Qui bom, pai. Num gostu de pinsá nela suzinha. Chegemo. Olha o teu ponto. Saem, não param de falar, estão na Quintinho Bocaiúva, seguindo em direção à Sé. Fico ali, sentindo-me ingrata por não ter a mesma esperanças dos dois homens, de não acreditar, como eles acreditam, que o futuro pode e deve ser melhor. São a prórpia dialética hegeliana, piora daqui, melhora daqui, e bola para frente porque atrás vem gente. Sigo até o Parque Dom Pedro, entro em outro ônibus e vou em direção ao mundo da ilusão, pensando que vivo diferente dos meus pais...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Esperança


Tudo é caos...

Tudo é cãos.


Mas, além da nuvenzinha do Nada.

Logo após a poçinha do Vazio,

existe o amor.

Exite a esperança.


Existe um sonho.

Que nunca vai passar (?).

domingo, 6 de janeiro de 2008

Resíduo de Sonho


Ando! A rua não acaba! Paro! A rua apresenta um fim: fim? Finalidade? Estou em frente a uma grande loja de departamentos. Já não é mais Natal, já não é mais Reveillon: o tempo retornou àquela mancha gordurosa de miséria em que as pessoas sujam-se mutuamente umas com as outras. Sintaxe sem sentido! Não faz mal, para quem assiste novela do Manoel Carlos, está valendo. Quem? Pode repetir? Estou em frente a uma... Não essa parte. Não quero saber disso, o autor da novela. Quem é? Bebeu, cherou, morreu. Já nem sei quem mais é: todos são iguais, as mesmas frases feitas, os mesmos clichês, as mesmas vidas que poderiam ter sido e não foram. As mesma vidas que penetraram na alma daqueles objetos em liquidação: TVs digitais, telefones celulares, best-sellers, shampoos, cremes para celulite, armários, fornos de microondas, etc. Uma infinidade de almas se agregam a minha e, com isso, posso ser o que eu quero, uma mulata escultural, uma loira com cabelos lisíssimos, uma pequena empresária, uma eficiente secretária, uma médica dedicada, uma dona de casa com habilidades instigantes na cozinha, uma prostituta que se casa com um alto consultor de Nova Yorque: alguém que está por dentro de todos os Segredos para ser feliz. Eu posso ser o que quero, eu faço o que quero, eu sou o centro do meu universo, eu sou o princípio e o começo: uma nova Alfa e Ômega. Como posso ser tudo? Desejei tornar-me uma mercadoria em exibição: tirei tudo aquilo que me definia como sujeito e mergulhei no meio daqueles milhares de produtos. Mas, logo tomada a decisão, o que poderia eu ofertar aos consumidores? Não reproduzo músicas, não canto, não toco, não exibo, não mostro sonhos: sou um resido, como um rato no meio do caminho. Então fiquei, esperei, chorei. Vi quando todas as mercadorias se esgotaram e sobrou apenas eu: ninguém quis aceitar a minha oferta. Não estava caro, era apenas 1 sonho! Ninguém teve coragem de me levar para casa por um sonho. Olha o drama, prá que começar com isso agora? E eu que pensei que você iria oferecer algo bonito, uma esperança, um abraço, um sorriso: você ficou esperando um sonho? Deixe-me terminar. Não, é muita balela. Vou embora. Tchau. Novamente estou sozinha recordand0-me da cena: as pessoas passavam e riam. A sensação de ser vítima do escárnio das pessoas é tão humilhante. Olhavam meus dentes, falavam que eram mal escovados. Olhavam minhas unhas, falavam que eram curtas demais, compridas demais, brancas demais, vermelhas demais. Olhavam meu cabelo, meu corpo, meus olhos. Não havia um item que todos apreciavam, todos eram depreciados igualmente. Nesse momento, uma menina, quase como num conto de fadas, mostrou-me um espelho. Olhei fixamente no espelho e, para minha surpresa, não havia reflexo, vi uma luz azul esverdeada, como um resíduo de sonho, um começo de esperança. Sai de lá. Troquei meu nome, meu telefone e agora sou isso: alguém que não está a venda! O que será de mim? Não sei. Pergunte para a moça que foi embora no meio.