domingo, 6 de janeiro de 2008

Resíduo de Sonho


Ando! A rua não acaba! Paro! A rua apresenta um fim: fim? Finalidade? Estou em frente a uma grande loja de departamentos. Já não é mais Natal, já não é mais Reveillon: o tempo retornou àquela mancha gordurosa de miséria em que as pessoas sujam-se mutuamente umas com as outras. Sintaxe sem sentido! Não faz mal, para quem assiste novela do Manoel Carlos, está valendo. Quem? Pode repetir? Estou em frente a uma... Não essa parte. Não quero saber disso, o autor da novela. Quem é? Bebeu, cherou, morreu. Já nem sei quem mais é: todos são iguais, as mesmas frases feitas, os mesmos clichês, as mesmas vidas que poderiam ter sido e não foram. As mesma vidas que penetraram na alma daqueles objetos em liquidação: TVs digitais, telefones celulares, best-sellers, shampoos, cremes para celulite, armários, fornos de microondas, etc. Uma infinidade de almas se agregam a minha e, com isso, posso ser o que eu quero, uma mulata escultural, uma loira com cabelos lisíssimos, uma pequena empresária, uma eficiente secretária, uma médica dedicada, uma dona de casa com habilidades instigantes na cozinha, uma prostituta que se casa com um alto consultor de Nova Yorque: alguém que está por dentro de todos os Segredos para ser feliz. Eu posso ser o que quero, eu faço o que quero, eu sou o centro do meu universo, eu sou o princípio e o começo: uma nova Alfa e Ômega. Como posso ser tudo? Desejei tornar-me uma mercadoria em exibição: tirei tudo aquilo que me definia como sujeito e mergulhei no meio daqueles milhares de produtos. Mas, logo tomada a decisão, o que poderia eu ofertar aos consumidores? Não reproduzo músicas, não canto, não toco, não exibo, não mostro sonhos: sou um resido, como um rato no meio do caminho. Então fiquei, esperei, chorei. Vi quando todas as mercadorias se esgotaram e sobrou apenas eu: ninguém quis aceitar a minha oferta. Não estava caro, era apenas 1 sonho! Ninguém teve coragem de me levar para casa por um sonho. Olha o drama, prá que começar com isso agora? E eu que pensei que você iria oferecer algo bonito, uma esperança, um abraço, um sorriso: você ficou esperando um sonho? Deixe-me terminar. Não, é muita balela. Vou embora. Tchau. Novamente estou sozinha recordand0-me da cena: as pessoas passavam e riam. A sensação de ser vítima do escárnio das pessoas é tão humilhante. Olhavam meus dentes, falavam que eram mal escovados. Olhavam minhas unhas, falavam que eram curtas demais, compridas demais, brancas demais, vermelhas demais. Olhavam meu cabelo, meu corpo, meus olhos. Não havia um item que todos apreciavam, todos eram depreciados igualmente. Nesse momento, uma menina, quase como num conto de fadas, mostrou-me um espelho. Olhei fixamente no espelho e, para minha surpresa, não havia reflexo, vi uma luz azul esverdeada, como um resíduo de sonho, um começo de esperança. Sai de lá. Troquei meu nome, meu telefone e agora sou isso: alguém que não está a venda! O que será de mim? Não sei. Pergunte para a moça que foi embora no meio.

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