quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Cabelo ao vento

Já faz tempo vi você na rua. Estava no ônibus: o dia estava ensolarado e a cabine abafada. Meditando em meus sonhos, mirando a mancha de gordura ao longe, admirando os ratos. Ouço conversarem, cê vai trabalha e'um luga muito bonitu! A Praça da Sé é bonita. Não olho para trás para não chamar atenção, mas continuo ouvindo. Por quê? Não sei! Ah, pai, aqui é tudu muito bonito, sabe? Não vou voltar para casa não, quero comprá u'a casinha, arranjar u'a mulher e ter um bando de fio Rararará... Isso qué vida... Piuiiiiiiiii... choc, choc, choc.... ihhhhhhhh. Sai da frente, rapá. Vai te catar, seu babaca! Filho, não é assim, também, sua mãe precisa da gente. Trago a mãe, os irmão e tuda curriola para Sum Paulo. Isso é o que me faltava, mais gente com resíduo de sonho. Olho para trás, o moço é loiro, com os cabelos cacheados como os de um anjo. Seus olhos são do mais puro azul. Seu pai, mais mal tratado pela vida, tem uma pele queimada de sol e seus olhos castanhos são emoldurados por uma série de rugas que lhe dão aspecto de mais velho. Estão perfeitamente arrumados: calças sociais, camisas brancas e azuis, honestidade, integridade e trabalho. Até quando permanecerão intactos? Até quando essa fonte de candura que os envolve permanecerá intacta. Choc, choc, choc... Ruuuuuuuuuuuuuuum... ihhhhhhhhh... Biiiiiii... Biiiiiiiii... Rrrrrrrrrrr. Pai, onde é qui o Sinhô vai trabalhá? Prá mi é difíci, tou velho e as empresa qué moço novu, c'idéa nova, c'expiriência, cê pode. Pode aprendê computadô e fazê facudade... mai, vô vê se arranjo um negócio prá despois voltá. Sintu falta da tua mãe. Crack... quem quer ovo, banana, limão?! Qui bom, pai. Num gostu de pinsá nela suzinha. Chegemo. Olha o teu ponto. Saem, não param de falar, estão na Quintinho Bocaiúva, seguindo em direção à Sé. Fico ali, sentindo-me ingrata por não ter a mesma esperanças dos dois homens, de não acreditar, como eles acreditam, que o futuro pode e deve ser melhor. São a prórpia dialética hegeliana, piora daqui, melhora daqui, e bola para frente porque atrás vem gente. Sigo até o Parque Dom Pedro, entro em outro ônibus e vou em direção ao mundo da ilusão, pensando que vivo diferente dos meus pais...

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, Viviane, ficou lindo demais. Deu pra perceber bem a esperança e a angústia dos dois homens. E também deu pra perceber direitinho a angústia ainda mais acentuada da narradora. Essas suas histórias de ônibus são mesmo geniais.

The tone disse...

Vivs!
Se a gente parar pra olhar a nossa volta, se a gente sair perguntando: "oi, com licença, você tem algum sonho?" acho que vamos nos surpreender. Acho que as vezes a dialética atrapalha um pouco. Será que é só o sistema que pode se apropriar dos nossos sonhos, ou será que podemos nos apropriar de muitos sonhos de muitas pessoas, não para vender algo pra eles, mas pra sermos?