quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Um Albatroz observou tudo


Quando Roseli chegou em seu apartamento, se deparou com uma criança parada em sua porta. Ele era baixo, muito magro para a idade e tinha olhos de trabalhador cansado. Ao invés de falar, o garoto se agacha e aponta para a porta da frente. Roseli não entende, mas você está com fome? Como entrou aqui? Não vê que não pode ficar aqui. Mas você precisa ver, ele pensou e não disse, só apontou. Vou ver o que esse garoto quer: mas, tem alguém atrás da porta, quem está ai? O que quer? A mulher que estava lá dentro começa a esmurrar a porta: deixe-me sair, por favor, deixe-me sair. Quem é essa mulher, menino? Por que você veio aqui? Justo na minha porta, justo hoje que queria sentar e ver a novela, entorpecer-me com o ópio coletivo, inebriar a minha dor e fingir que tenho o corpo que quero, a casa que quero, o homem que quero. A mulher não parava de bater. Tudo era barulho, o menino estava estático, Roseli forçava a maçaneta desesperadamente para libertar aquela mulher, quando ela começou: esse menino ai é meu filho, foi expulso de casa, sabe ler escrever e fazer cálculos. Inventou um super programa de internet para a empresa do pai, mas não estava perfeito. O pai dele perdeu tudo, me trancou aqui e ele me achou. Não sei como, estava na rua, mas me achou. O que é achar? Por que as crianças têm uma conexão tão grande com suas mães, mesmo sabendo que elas exigem mais do que podem dar, querem mais do que sonhamos conseguir. Minha mãe sempre me odiou, chegava tarde em casa do serviço e não tinha tempo para conversar, fazer comida. Droga! Não abre. Vou ter que arrombar. O menino ss ajoelhou em frente a ela e beijou seus pés. Nisso, uma corrente de água começou a jorrar em sua cabeça. Os dois começaram a se afogar ali no corredor, quando a força da água rompeu a porta e libertou a mulher. Os três foram arremessados contra a janela e cairam do décimo andar. Um passante morreu. A vendedora de flores viu tudo e jurou que eram duas mulheres e um velho, não uma criança. Tudo isso aconteceu em São Paulo, cidade mais anjo do que a dos Anjos. Tudo isso foi observado. Tudo isso registrado por um albatroz que olhava de longe.

2 comentários:

The tone disse...

Um albatroz não é exatamente uma figura muito comum numa cidade como São Paulo, mas também não é a inundaçao no décimo andar nem a um menino que aponta.
Sabe, estou curtindo muito a maneira como você lida com o estranhamento, quebrando qualquer expectativa do leitor, misturando metáforas, levando tudo a uma esquizofrenia de sonho/realidade mescladas. Só posso olhar, e me curvar.

Anônimo disse...

Uma das coisas mais legais do seu texto é a mistura entre lirismo e grotesco, uma combinação que você faz com maestria.