sexta-feira, 14 de dezembro de 2007


Estava sozinha no tempo e sozinha no mundo, quando uma nuvem cinza desprendeu-se do céu e caiu bem no centro da 23 de Maio. Todos ficaram absmados por verem aquela pobre coitada ali agonizando. Na verdade, todos estavam ocupados demais para parar, ocupados demais para escutarem suas histórias, ocupados demais para verem que vindo de tão longe ela poderia estar com fome. Fome?? Não estou com fome, não. O regime deixou-me pálida, já não consigo alimentar-me de sonhos e de criações, tudo que faço é movimentar-me de um lado ao outro sem vontade, sem razão, sem vazão. Sou composta de 90% de ferro nas calçadas, e 100% de ferro na alma. Mas, por que você quer me ouvir? Sua narradora sem escrúpulos que escreve sem cuidado, erra a gramática e tem uma vida tão sem graça quanto os filmes da sessão da tarde. Sim, estou falando contra você que fica ai do outro lado do computador e não faz nada. Tens medo da chuva, do desemprego, da solidão, mas não faz nada. Já dinamitaram a Ilha de Manhattan e você não fez nada. Quando será que vai fazer? Até quando vai aguentar essa dor que não passa, essa infertilidade improdutiva, esse suspiro de saudades. Até quando aguentará essa parálise que destrói a beleza? Beleza?! A nuvem continuou a descer até penetrar nos bueiros da cidade, essa cidade de São Paulo, cidade de frio e calor, chuva e sol, homem e mulher, tudo encadeado, tudo separado, tudo sem teto e sem cobertor. Até quando vou ter que aguentar o mal cheiro, os gritos e o sangue? O sangue, o sangue, o sangue, o sangue... quer um pouco mais, as fezes, a urina, as baratas, os ratos, tudo isso é São Paulo... tudo isso é a morte. Tudo isso é a dor. E dá para ter beleza, e dá para ter amor? Não dá! Não tem esperança! Não tem beleza, o resíduo que resta e o raspar do roedor na roliça roldana... que me engole, que te engole. E essa insuportável que não para de escrever.

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