quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Cello


Enquanto ela meditava sobre o vazio de sua vida, o som do violoncelo (mais conhecido intimamente como cello), invadiu a sua vida e preencheu alguns buracos cor de sangue. Parece que a cada nota, sinto-me mais engrandecida, elevada, pois ele fala de minhas dores e transpõe o meu status de mortal para outra tonalidade, uma tonalidade atemporal e metafísica. Suas mãos são fortes e, com uma paixão inigualável, agarra o arco e risca o dó, subindo para o sol e ré, respectivamente. Ela mirava aquele instrumentista maravilhosamente absorto pela música, unificado ao universo, unilateral, único, enquanto um misto de aromas mel e flores silvestres envolviam o jovem moço enquanto tocava. Mesmo com luzes escarlates e bordos envolvendo seus longos dedos, o que lhe dava um ar de pecado proibido, sua presença é divina, um céu que se desprendeu do paraíso e veio fazer sua morada na terra, dentre os homens, dentre os pecadores, dentre o lixo, dentre os ratos e as baratas. Como eu gostaria de tocar esse moço e sentir a maciez de seu toque, será que suas mãoes podem reproduzir em mim tais sons, será que a maciez do seu corpo pode ser comparada ao veludo desses sons? Ela então, aproximou-se dele, e como um disco quebrado, ele parou de tocar, mirou seus olhos azuis como o fogo e disse: Quem és tu? O que queres? O que devo dizer para essa divina divindade? Divino, divino é seu som. O que faço? Vou arrancar seu cello, vou tocar seus lábios. Ela pegou suavemente o cello de suas mãos e beijou seus lábios. O moço, então, vomitou mel e flores em sua boca, e ela começou a levitar. Ele chorou ratos e baratas ao ver que seu amado instrumento estava sendo transformado em uma árvore cujos frutos eram maçãs podres. O que está acontecendo comigo? Por que estou subindo? Mas o céu é tão lindo, quero tocar o sol, será que chego. Ela então, foi totalmente carbonizada pelos raios solares. Já o violoncelista chora a falta de seu companheiro e lamenta, lamenta muito a falta daquela que o amou. E o amor é tão piegas, né?

3 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, Viviane, que lindo! Você acredita que eu até ouvi a música? Juro. É triste também. Como você disse, o amor é muito triste.

The tone disse...

Vivs!
Não sei bem se essa era a intenção, mas eu ri muito lendo seu conto. A estranheza das metáforas, a mudança brusca de tempos verbais, de pessoas do discurso, nossa!
Achei a última frase totalmente deslocada, e foi onde mais ri. Vc vai num torvelinho de transcendência e, de repente, cai pra um comentário tão mundano e corriqueiro, mas muito revelador. Gente foda é assim, faz com o mesmo conto uns chorarem e outros rirem e sentirem medo ;)

The tone disse...

ps -nao era riso de escárnio, mas de preocupação... très bon!